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TFE e a vergonha em pacientes LGBTQIA+

Orgulho e preconceito: o papel da terapia focada nas emoções na elaboração da vergonha em pacientes LGBTQIA+

                              17 de maio, dia internacional contra a LGBTfobia.                             

 

Fernanda Paveltchuk ( CRP 05/50532)

Marco Aurélio Mendes (CRP 05/31952)

 

Somos seres sociais. Bowlby, em sua teoria do apego, defende a perspectiva (já antes disseminada por Freud) de que, enquanto seres sociais, nossas primeiras experiências de apego nos fornecem um modelo relacional com outras pessoas e conosco. Criamos modelos afetivo-cognitivos de como nós somos e do que esperar do outro, o que acaba gerando padrões de comportamento ou estilos de apego. Assim, estilos de apego desenvolvidos a partir dessas primeiras experiências relacionais podem revelar medo, ansiedade ou segurança, caso sejam adequados ou inadequados. Estilos de apego inseguros e/ou desorganizados, podem ser consequência de relacionamentos com figuras de apego que não puderam atender adequadamente às necessidades da criança ao longo de seu desenvolvimento inicial. Geralmente, estes padrões relacionais se repetem e são reforçados por outras relações de apego significativas que se apresentam ao longo das nossas vidas.

Minorias sexuais (como mulheres lésbicas, homens gays, pessoas bissexuais e assexuais) e minorias de gênero (como pessoas transgênero, não-binárias e intersexo) possuem estressores específicos derivados de sua condição de vulnerabilidade social. Ou seja, por fazerem parte de grupos minoritários, experienciam dificuldades adicionais que impactam suas relações, vivências e o modo como se percebem. Gordon Allport, psicólogo social norteamericano, já nos anos 1960 afirmava: “não se pode martelar, martelar e martelar a reputação de uma pessoa em sua cabeça sem que isso gere consequências.” Tornar-se menos valorizado socialmente tem custos importantes para o bem-estar dos indivíduos, já que em função do caráter gregário e social da espécie, estar em grupo permitiu o aumento da ajuda mútua e da sobrevivência.

Ao contrário de outras minorias sociais, como as mulheres cisgênero (pessoas cisgênero são aquelas que se identificam com o gênero que lhes foi assinalado no momento do nascimento) e as pessoas negras, as pessoas que são parte de minorias sexuais e/ou de gênero podem experienciar rejeição nas relações de apego primárias com maior facilidade, uma vez que muitas vezes nascem em famílias cisheteronormativas. A possibilidade de ser quem se é acaba nublada por preconceito e atitudes desfavoráveis a orientações sexuais e identidades de gênero fora da norma.

Neste cenário, a vergonha pode surgir como catalisadora de um estressor chamado homofobia/transfobia internalizada, quando a pessoa LGBTQIA+ internaliza o estigma sobre sua identidade e desenvolve ideias e sentimentos aversivos em relação a si. A vergonha tem como função adaptativa a evitação da rejeição e da exposição, atuando como apaziguadora das tensões nos grupos sociais, reafirmando a submissão de alguns, a dominância e maior hierarquia de outros indivíduos, minimizando os conflitos. Quando desadaptativa, a vergonha nos paralisa causando imensa dor, trazendo sentimentos de inadequação e repulsa contra nós mesmos. A vergonha pode ser reforçada pela ausência de suporte social e familiar, gerando ocultação da orientação sexual e/ou identidade de gênero do paciente.

Além da vergonha, o medo é outra emoção importante. Em países homofóbicos como o nosso, a pessoa vive como se o sistema de apego (relacionado à vulnerabilidade e proteção) estivesse praticamente ativado o tempo inteiro, pois passa a ser perigoso ser quem se é, andar na rua e realizar coisas simples como beijar e andar de mãos dadas com seu parceiro/parceira. A tristeza também se faz bastante presente pois a rejeição das pessoas significativas e próximas quando a pessoa revela a sua verdade, a sua identidade, é, infelizmente, ainda muito presente.

Na Terapia Focada nas Emoções, buscamos utilizar intervenções que trabalhem diretamente com as emoções, com o objetivo de transformá-las. Estas intervenções ocorrem a partir dos processos relacionados às dificuldades emocionais dos clientes que se apresentam na sessão de terapia. A Terapia Focada nas Emoções é uma psicoterapia experiencial. O foco, portanto, são as experiências que ocorrem nas sessões de terapia, combinando além de técnicas próprias e originais, intervenções oriundas do humanismo e da Gestalt.

Um dos lemas centrais da Terapia Focada nas Emoções é que você não pode mudar uma emoção sem chegar até ela. Assim, trabalhar com minorias envolve acessar as dores centrais dos nossos clientes. Para poder acessar a imensa dor referente à rejeição, à vergonha, ao medo e à tristeza, é necessário que o terapeuta construa uma relação segura, de aceitação e confiança. Identificar, por exemplo, partes do self do cliente que o condenam, que o humilham e criticam é parte fundamental da intervenção. Mais do que apenas acessar estas emoções é preciso transformá-las através do acesso às necessidades emocionais que foram negadas na vida do cliente.

Além do foco nas emoções e usando a Teoria do Apego como referência teórica, precisamos auxiliar os clientes a construir um senso interno de segurança, de identidade e novos estilos de apego mais saudáveis, que possibilitem a transformação da vergonha, do medo e da tristeza em orgulho, confiança e alegria. Especificamente em relação á vergonha, consideramos que, para viver uma vida autêntica, a passagem da vergonha para o orgulho só pode ser feita combatendo a LGBTfobia, seja externamente quanto internamente. Para tanto, enquanto psicoterapeutas, é crucial compreender e defender os direitos humanos dentro de nossas práticas, reforçando a impossibilidade de curar o que não é doença.



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